Imagine um tipo de negócio em que você fosse não fosse remunerado pela geração de um determinado lucro financeiro, mas por não gerar ou, pelo menos, reduzir, um prejuízo. Esse é – guardadas as devidas proporções – o princípio do mercado de carbono. Nele, ganha créditos quem emite menos gases causadores do efeito estufa. E, por outro lado, quem emite mais do que deveria – sejam nações, empresas ou mesmo pessoas –, paga, alimentando fundos que serão utilizados para financiar pesquisas e projetos que contribuam para reduzir as emissões e enfrentar as mudanças climáticas.
O conceito de um mercado de carbono foi lançado durante a ECO-92 (1992), no Rio de Janeiro, foi melhor definido durante as reuniões para a redação do Protocolo de Kyoto, em 1997 e avançou um pouco mais em sua regulamentação durante a Cop26, de Glasgow, em 2021. Ele está relacionado exatamente com o compromisso dos países em reduzir as emissões – as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas – CNDs, definidas conforme o estágio de desenvolvimento (e riqueza) de cada um deles.
A essa diminuição é atribuído um valor econômico: para cada tonelada de CO2 a menos na atmosfera, abaixo do limite a que teria direito, o país passa a ter direito a um crédito de carbono. Também recebem esse crédito os que reduzirem a emissão de outros gases que gerem o efeito estufa, neste caso, convertidos em “carbono equivalente”. Por exemplo, o metano ou o óxido nitroso (N2O), é um gás com potencial de aquecimento 21 vezes maior do que o do gás carbônico. Uma tonelada de metano vale, então, 21 toneladas de carbono equivalente.
Daí, se uma determinada nação produz menos CO2 que o teto a que teria direito, essa diferença é transformada em créditos, que podem ser utilizados em acordos com outros países, que estão “no vermelho”, emitindo mais do que o combinado em suas CNDs, para, por exemplo, obter investimentos e transferência tecnológica.
O mecanismo de troca
Para ficar mais claro: se uma tonelada de CO2 “a mais” é emitida em algum lugar, é necessário que outra tonelada seja capturada – ou deixe de ser emitida – em outra parte.
No caso dos países desenvolvidos, que foram listados no “Anexo I”* do documento, esses créditos podem ser também vendidos para outros, do mesmo grupo, que ainda estiverem emitindo mais gases nocivos que o estabelecido. Essa negociação acontece por meio de corretoras próprias, como a European Climate Exchange, que fazem a intermediação entre os interessados.
Além disso, esses mesmos países desenvolvidos podem firmar acordos entre si, atuando em conjunto para que as metas de redução sejam atingidas. Ou seja, se um país em um período não conseguir respeitar os limites firmados, um outro, que tem sobras de créditos, pode “bancar” essa diferença por decisão dos dois, tornando possível, por exemplo, que cada um deles possa investir em novas tecnologias para se enquadrar nos limites em um prazo que for mais favorável.
Para os países em desenvolvimento, também no acordo de 1997, foi estabelecido o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou MDL, que permite transformarem iniciativas que contribuam para a sustentabilidade e levem à redução ou à captura de emissões de gases causadores do efeito estufa – como a manutenção e a expansão de florestas, por exemplo – em Reduções Certificadas de Emissões (CER). Cada CER equivale a uma tonelada de CO2 e pode ser usada para negociar financiamentos com os países desenvolvidos, funcionando de forma semelhante aos demais créditos de carbono.
A ideia é que os países desenvolvidos recebam esses créditos das nações em desenvolvimento em troca de transferência de tecnologia e financiamento para projetos ligados à sustentabilidade, em setores como o florestal, de energia e de transportes.
Mercado voluntário de carbono
Já os governos regionais, empresas, instituições (incluindo ONGs) e cidadãos podem se reduzir e neutralizar suas emissões voluntariamente. Nesse caso, os resultados obtidos, depois de auditados por uma entidade credenciada pela ONU, são convertidos em VERs – de Verified Emission Reduction (redução verificada de emissões). Esses créditos não podem ser usados por países diretamente para compensar suas emissões, mas podem ser negociados em ambientes específicos – como o Chicago Climate Exchange, nos EUA – e empregados fora do chamado mercado regulado, em projetos como os REDD, ou Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.
Fundos voluntários, como o Fundo Amazônia, o Funbio e o Forest Carbon Partnership Facility (FCPF), por exemplo, recebem as VERs na forma de doações aplicam esses recursos no financiamento dos projetos para o sequestro de carbono e de redução de emissões.
Outra forma para o setor privado participar do mercado de carbono é como investidor. Por exemplo: um fundo privado de um país X pode financiar um projeto de geração solar em um país Y, permitindo assim que uma usina termelétrica movida a carvão seja desativada. Com isso, esse país Y reduz suas emissões e tem direito a créditos de carbono, que repassados a esse investidor, poderão ser vendidos a outro país que não tenha conseguido cumprir sua meta.
A tendência é que, com o tempo, essas operações se tornem cada vez mais comuns. Especialmente porque a transição energética já começa a ser um dos campos de maior atividade econômica, com o emprego de enormes cifras em investimentos e um sem número de empreendimentos por todo o mundo. Além de um compromisso ético com a sustentabilidade – o que por si só já é muito –, engajar-se ativamente no processo que está transformando a forma com que a humanidade se relaciona com o planeta em que vivemos é também “a bola da vez”, um grande negócio.
(*) No Anexo I da Convenção do Clima está uma lista com os 40 países, além da Comunidade Europeia, formalmente comprometidos com a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Fontes:
Créditos de carbono
Mercado de créditos de carbono: saiba quais são as propostas para o Brasil
O que é e como funciona o mercado de carbono, que foi criado na COP26
UNFCCC
3 COISAS PARA ENTENDER SOBRE A COP 26